As epidemias combatidas em Avaré no século XX

As epidemias combatidas em Avaré no século XX

legenda: Santa Casa de Misericórdia de Avaré em 1914

Fonte da Foto: Arquivo pessoal

* Gesiel Júnior

A história de um povo tem, queira-se ou não, alguns capítulos traumáticos em razão de males que põem em risco a saúde pública. Ao longo de sua trajetória sesquicentenária, a população avareense enfrentou o risco de surtos epidêmicos.

O primeiro caso teve registro em 1909. O cronista Jango Pires assim o anota em seu livro de memórias: “Apareceu um surto epidêmico de varicela e alastrim. Para o seu combate veio de São Paulo o Dr. Emílio Ribas (foto ao lado), diretor do Serviço Sanitário do Estado, acompanhado de grande número de auxiliares, que procediam a vacinação. Os pobres foram socorridos pela Prefeitura. No fim de noventa dias foi debelado o mal”.

Nesse ano o prédio novo da Santa Casa de Misericórdia, obra do construtor italiano Germano Mariutti, havia ficado pronto. Era diretor clínico do hospital o médico Álvaro Lemos Torres, que respondeu pela função até 1913. 

Foi o doutor Lemos Torres, um dos maiores nomes da reumatologia no Brasil, quem recorreu ao respeitado colega infectologista, cuja experiência no combate a várias epidemias na Capital foi decisiva para afastar da região os riscos de doenças infecciosas. Duas delas fizeram muitas vítimas na cidade e eram altamente contagiosas: a Varicela (a popular Catapora) e o Alastrim, uma forma atenuada da Varíola. 

Pioneiro na luta contra a Febre Amarela na América do Sul, o sanitarista Emílio Ribas (1862-1925), passou algumas semanas atendendo pessoalmente os doentes em Avaré. Aliás, ele analisou o Alastrim, com critério e segurança, levando os seus estudos aos grandes centros científicos, onde foram discutidos e observados.

Influenza, a Gripe Espanhola

Embora tenha recebido o nome de Influenza, até hoje não se sabe ao certo onde essa pandemia gripal começou. A certeza é de que ela se espalhou tão depressa e fez tantas vítimas logo no final da 1ª Guerra Mundial. Literalmente, o vírus viajou nas solas dos coturnos das tropas e nos navios de combate.

No mundo da medicina, a chamada Gripe Espanhola é vista como "o maior holocausto médico já visto". O nome dado à epidemia não se deve ao fato de esta ter se iniciado no país europeu que a denomina, mas por ter sido a Espanha o local que apresentou a grave moléstia mais tardiamente. 

A historiografia moderna é unânime em classificar a pandemia de 1918 como a pior de todos os tempos. Atingiu a maioria dos países, houve mais de 50 milhões de mortos e cerca de 600 milhões de pessoas ficaram infectadas.

Conforme relata o historiador João Toniolo Neto, o próprio prefeito de São Paulo na época, Washington Luís (depois, governador do Estado e presidente da República) foi vítima da doença. A capital industrial do Brasil sofreu baixas terríveis na sua população. Oficialmente, cerca de 350 mil pessoas contraíram a gripe, o que correspondia a 65% da população paulistana no período.

No Brasil, a pandemia durou apenas algumas semanas, entre outubro e novembro de 1918. Mesmo assim, pelo menos 35 mil pessoas morreram no Rio de Janeiro e em São Paulo. 

A vítima brasileira mais ilustre, e tardia, foi o presidente reeleito Francisco de Paula Rodrigues Alves (1848-1919), que não chegou a assumir o cargo para seu segundo mandato.

Em Avaré, a diretoria da Cruz Vermelha tomou medidas preventivas. Chefiava o posto médico local o doutor João de Góes Manso Sayão, que também era político e presidiu a Câmara de Vereadores. 

De acordo com notas da imprensa daquele tempo, cerca de cinqüenta pessoas ficaram gravemente gripadas, algumas precisaram de internação, mas felizmente não houve registro oficial de óbitos no município. 

Uma das vítimas ligadas à Avaré, entretanto, morreu no Paraná: o fazendeiro José Ribeiro de Oliveira Motta, pai do advogado Tito Motta, então delegado de Polícia e que exerceu o cargo de prefeito municipal no começo da década de 20.


Passado e presente

Guardadas as devidas proporções, o surto de Coronavírus, iniciado na China recentemente, e que já se espalha pelo planeta, pode ser comparado com a Gripe Espanhola, debelada há mais de cem anos. Apesar de, em 1918, ainda não existir o nível tecnológico e nem o avanço médico científico da atualidade, as formas de disseminação do vírus se assemelham.

 Naquela época, os combatentes da 1ª Guerra Mundial espalharam a Influenza pelo mundo. Hoje, com a globalização, o mundo parece encolhido e o vírus avança rápido pelos continentes em canais de contágio diferenciados, incluindo voos que podem trazer bem mais que roupas e acessórios na bagagem de seus passageiros. 

Em Avaré e em todo o país, a luz vermelha está acesa. A Organização Mundial de Saúde e os governos vem tomando medidas para minimizar o contágio através de rigoroso controle sanitário. 

Batizada de Covid-19, a expectativa é de que essa nova gripe nem de longe seja parecida com a epidemia de Gripe Espanhola, porque aquela, sim, foi uma calamidade de proporções inimagináveis até para os padrões atuais.


* Cronista e pesquisador, é autor de 40 livros sobre a história de Avaré e região.

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